segunda-feira, 7 de junho de 2010

Moda ecológica ou ecologia para a moda?*

Quando li este texto (recebido por email através de mailing do Sebrae de João Pessoa), perdi a vontade de escrever-pelo menos neste momento- sobre as minhas crises e reflexões sobre a moda, assim como sobre o tema em específico... Pois o autor aqui, além de ser lúcido e suscinto, escreveu com uma propriedade e coerência que ainda busco no meu trabalho nesta área!

Segue abaixo o texto na íntegra e um link para o restante dele- que fala das matérias-primas eco-eficientes.


Moda ecológica ou ecologia para a moda?*
por Márcio Augusto Araújo*


Pedem-me para escrever sobre moda ecológica e sobre o uso de ecoprodutos neste setor. Ao iniciar minhas reflexões nesse sentido, observo estar diante de um paradoxo: Como um segmento que trabalha tão intensamente pela troca e descarte constante de produtos poderia ser caracterizado como “ecológico”?

Se um dos atributos da moda é a renovação permanente ou a substituição daquilo que foi criado em uma dada estação ou época por algo que despontará como a próxima sensação (ou “última moda”), como é possível falar de moda ecológica? Apenas porque se usam matérias-primas consideradas sustentáveis, como tecidos de algodão orgânico ou outros produzidos a partir da reciclagem de garrafas PET? Está claro que só isso não basta, uma vez que o próprio conceito de moda traz em seu bojo a necessidade de criar produtos com ciclos de vida curtos. Usar materiais ditos sustentáveis não resultará em muitos benefícios, portanto.

O segmento da moda, assim como outros setores da economia, é uma atividade geradora de poluição e degradação ambiental. Junto com a publicidade, a moda é o setor da indústria cultural que mais contribui para criar e incentivar uma mentalidade a favor do descartável, do fútil, do inútil e do supérfluo. Vale a pena ampliar o leque e abranger todos os tipos de modismos –e não apenas o ‘fashionwear’-, que induzem os consumidores a trocar de carro anualmente, a adquirir o último modelo de celular ou mesmo a ler algum dos estúpidos best-sellers que os críticos pagos pelas editoras tentam, a todo custo, mostrar como “definitivos” aos leitores.

O termo moda ecológica (eco-fashion) é uma contradição em si, pois o descartável não pode ser ecológico. O fim da vida útil é um destino inexorável de qualquer produto. Mas criá-lo com um prazo (ou uma estação) determinado é estabelecer as bases para o desperdício. O descarte deve ocorrer pela degradação do próprio objeto, e não porque o mesmo foi gerado para ser jogado fora ou inutilizado.

Ilusões da moda
A moda está umbilicalmente vinculada aos atos de descartar e desperdiçar. Filosoficamente, a moda tenta ‘rivalizar’ com a morte. Ela promete a ilusão de juventude eterna (ou renovação) aos que cedem ao seu canto de sereia. Tal roupa tornará a pessoa mais atraente, mais bela, mais jovem, mais inteligente e elegante. Não por acaso, os grandes ensaístas e poetas Giacomo Leopardi (italiano) e Guillaume Apollinaire (francês) diziam que “a moda é irmã da morte”.

No Ocidente, o caráter descartável da moda tem relação direta com o perfil urbano de seus usuários e com a publicidade veiculada pelos meios de comunicação. Talvez apenas sociedades mais primitivas, teocracias ou semi-teocracias –como alguns países budistas, islâmicos ou em partes da Índia- estejam relativamente imunes à moda. Nessas culturas, vestir-se é principalmente uma forma de proteger (ou esconder) o corpo –aliás, esta a verdadeira origem da moda. Outro motivo é que grande parte das religiões não estimula a vaidade, nem o ato de se exibir.

O discurso estético, que justifica psicologicamente a moda com os argumentos de que vestir-se de tal e qual forma é fundamental para “sentir-se bem” e “ficar bonita(o)”, não é compatível com o conceito de sustentabilidade, se o deleite pessoal for obtido às custas da degradação do meio ambiente e dos recursos naturais.

Para inserir a sustentabilidade no setor, seria fundamental falar em ecologia para a moda e não de moda ecológica. São conceitos diametralmente opostos. Moda ecológica é, em si, um contra-senso. Já ecologia para a moda reflete um processo de conscientização do segmento e do próprio consumidor a partir do conceito de vestir, focado no meio ambiente. Pensar a ecologia dentro da moda significa tentar preservar o vestuário ou consumir o estritamente necessário, de forma a promover alterações consistentes na rota de colisão que o homem traçou para si mesmo, em seu relacionamento com a Natureza.

Como ficará o conceito de moda atual se isso ocorrer? Modismos não são compatíveis com sustentabilidade. De nada vale substituir uma moda convencional por uma outra, que se diga ecológica por usar matérias-primas mais sustentáveis, se a filosofia de descarte e vida curta se mantiver. Os impactos persistirão, embora, aparentemente, tornem-se ainda mais ‘fashion’, ‘cult’ e ‘politicamente corretos’.

Ao contrário de uma casa, onde o maior desejo do morador é ter um imóvel com vida longa, hoje, quando se está diante de um objeto de vestuário –roupa ou acessórios-, a preocupação com a longevidade raramente faz parte da consciência do consumidor. Estimula-se o oposto: o uso sazonal da peça. Passada a estação da moda, dá-se adeus às roupas ou acessórios. Ora, pode-se ser ecológico num aspecto e desejar que uma casa dure muitos anos, por exemplo, e não sê-lo em outra, no caso do uso de objetos de uso pessoal e vestuário? Pode-se ser parcialmente consciente? A consciência, como dizia Jiddu Krishnamurti, é um processo integral, que opera aqui e agora, e não uma filosofia de vida ou meta futura para ser atingida quando existirem as condições ideais. Se o processo de conscientização está presente no indivíduo, ele é ecológico aqui e agora com relação ao seu mundo e a si mesmo, o que inclui seus hábitos, suas roupas, sua casa, sua alimentação.

Esta é, portanto, a primeira e principal proposta para aqueles que produzem a moda: refletir sobre a própria existência do setor e aquilo que se propõe aos consumidores. Que todo o ciclo de vida de produtos e serviços sejam planejados visando melhorias ambientais, mesmo que isso signifique diminuir produção, consumo e, consequentemente, margens de lucro.

Não há outra saída, se se pretende melhorar a eco-eficiência de processos em toda a cadeia produtiva e se há o desejo verdadeiro de se contribuir com o meio ambiente. Somente depois de levada a cabo uma profunda reflexão sobre o ato de se produzir moda, é que se podem considerar matérias-primas eco-eficientes (ver lista a seguir).
http://www.idhea.com.br/pdf/Moda%20Ecol%C3%B3gica%20ou%20Ecologia%20para%20a%20Moda.pdf

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