quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Mas as pessoas da sala de jantar..."

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 (parênteses) 
.. mais de um ano depois eu volto a ter vontade de postar aqui no blog... engraçado que um dos meus últimos textos do ano passado foi sobre o OcupeEstelita em Recife... os movimentos parecem "me mobilizar" pra fazer exercer essa atividade da escrita que tanto amo e pouco me permito exercer no dia a dia...

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Eu não ando de ônibus, tenho Iphone, sou classe-média nascida em família burguesa (no estilo de vida e nas visões políticas), ainda assim nunca tive uma vida fácil, pois essa condição familiar só me deu garantias de ir e vir, morar, estudar e viver com dignidade dentro de uma redoma e não inspiração para pensar coletivo, me posicionar e me indignar criticamente...



Eu nunca me senti à vontade com a alienação política dos meus entes queridos e escolhi caminhos de vida que sempre me colocaram na condição de desgarrada, "hippie", "idealista" e/ou "perdida" diante deles porque não conseguia ser uma pessoa conformada com a tranquilidade que uma vida de princesinha burguesa poderia ter me oferecido! E foram exatamente "os anti percursos oficiais" da minha "rebeldia" que me conectaram com a vida real, com aventuras e "gente maluca", trazendo um mundo em sua essência e sentido para além das prometidas "Captalândias" ...



Eu também entendi desde cedo (nasci em 1980) que vivíamos num país contraditório que não mais nos conectava com causas coletivas e nem nos permitia escolher caminhos diversos... ou se era pobre de nascença e se andava ônibus e/ou a pé, ou se andava de carro - de preferência de vidros fechados, caso fosse em alguma capital perigosa! Cresci com um espírito insatisfeito e questionador, porque sentia (e sinto!) que vivemos num país contraditório que não nos permite ir e vir com tranquilidade, não nos autoriza a "falar com estranhos na rua", não é possível escolher caminhos diversos...



Eu sempre quis o caminho do meio, sem dicotomias, "sem partidos"...



Até hoje eu não havia encontrado um eco tão grande de insatisfação coletiva com o qual pudesse me identificar e estou emocionada com essa "corrente contaminadora de lucidez" - vulgo #acordaBrasil - que está unindo a todos nós num "consciente coletivo" para protestar, chamar atenção e exigir transformações políticas e humanas no existir em sua amplitude!



O fato de eu não precisar do bolsa família, não sentir literalmente (porque vem de outras vias!) no meu bolso os 0,20 centavos a mais da tarifa do ônibus, não ter um emprego opressor e/ou ser homossexual assumida, por exemplo, não anula o meu espírito insatisfeito, questionador e a minha capacidade de real indignação

com os rumos das condições de vida (na sua amplitude) no nosso país!



É claro que tenho os meus pequenos luxos como andar de carro (a duras penas, é claro, já que é preciso gastar bem mais do que se ganha com os preços altíssimos mesmo de um modelo popular, seguro, IPVA e reparos devido as "vias de bosta que a gente se afunda"!)...  também já viajei mais de 1 vez para fora do país, vez ou outra como em restaurante bom, gosto de comida e roupa boa, curto cinema, shows, algumas festas bacanas... Mas a que custo a gente consegue ter acesso a isso tudo hoje no nosso país mesmo sendo de classe média e, por exemplo, trabalhando com cultura como eu e meu marido?!



Eu sempre tive que ser trabalhadora e batalhadora desde cedo para poder ir e vir e ter o estilo de vida que eu gostaria e não o que me era imposto e alienado -"o que custa e tem me custado literalmente caro" de todas as perspectivas: familiares, emocionais, pessoais, financeiras, "metafísicas"...  Imagina quem nem tem uma formação educacional, saúde e transporte de qualidade devidamente garantidos para - sequer! - desenvolver um pensamento crítico e saber em que bandeira política "não votar" ?!!!



Eu sempre quis viver em uma cidade brasileira na qual eu só precisasse andar de carro por opção e não por imposição da má qualidade dos serviços de transporte e segurança pública oferecida... Gostaria de me locomover de metrô, mas só morei em capitais do nordeste (João Pessoa, Salvador e Recife) onde essa possibilidade é sempre remota seja porque não existe ou porque as linhas não contemplam os bairros que "não são tão pobres", como no Recife! Em Salvador, por exemplo, eu morei por mais de 20 anos e desde que me entendi por gente escutava falar de uma obra do metrô que mal foi começada teve desvio de verba e estacionou até hoje! Em João Pessoa, onde hoje estou - e sempre estive, mesmo que morando em outro lugar - há 10 anos atrás, se quiséssemos, dava para voltar para casa andando da Feirinha de Tambaú (reduto alternativo de gente da cultura), mas a violência está se desenvolvendo bem mais rápido do que a própria cidade, as políticas de cultura e o alcance das linhas de transporte público... dia desses uma amiga foi atender celular na esquina de casa e foi surrupiada por um bandido de revólver e de moto, claro, porque pelas bandas de onde ela mora ou "o caba" aproveita o incentivo do governo baixando impostos que incentiva a compra "dos motorizados" ou não tem "Armaria Mainha" que faça ele chegar de ônibus a tempo e com a eficiência de sempre pra roubar (ela me contou que já rolou isso várias vezes na mesma esquina)!



Enfim, eu poderia continuar relatando tantos outros causos e escrevendo mais sobre os meus sentimentos aqui, mas uma hora as palavras precisam de um ponto ou, no mínimo, reticências, assim como vai acontecer com essa onda de protestos... O que precisamos estar "atentos e fortes" é para que essa união coletiva não se dissipe e que toda essa efervescência não se sufoque dentro de uma panela de pressão - que, alegoricamente, sempre tem um pico de cozimento, mas naturalmente vai perdendo vapor para poder se beber o caldo... Que possamos por a mesa com "as pessoas da sala de jantar" responsáveis pelo "buffet azedado" que está o nosso Brasil.

frame do filme "O Discreto Charme da Burguesia, de Luis Buñuel

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