(parênteses)
.. mais de um ano depois eu volto a ter vontade de postar aqui no blog... engraçado que um dos meus últimos textos do ano passado foi sobre o OcupeEstelita em Recife... os movimentos parecem "me mobilizar" pra fazer exercer essa atividade da escrita que tanto amo e pouco me permito exercer no dia a dia...
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Eu não ando de ônibus, tenho Iphone, sou classe-média
nascida em família burguesa (no estilo de vida e nas visões políticas), ainda
assim nunca tive uma vida fácil, pois essa condição familiar só me deu
garantias de ir e vir, morar, estudar e viver com dignidade dentro de uma
redoma e não inspiração para pensar coletivo, me posicionar e me indignar
criticamente...
Eu nunca me senti à vontade com a alienação política dos
meus entes queridos e escolhi caminhos de vida que sempre me colocaram na
condição de desgarrada, "hippie", "idealista" e/ou
"perdida" diante deles porque não conseguia ser uma pessoa conformada
com a tranquilidade que uma vida de princesinha burguesa poderia ter me
oferecido! E foram exatamente "os anti percursos oficiais" da minha
"rebeldia" que me conectaram com a vida real, com aventuras e
"gente maluca", trazendo um mundo em sua essência e sentido para além
das prometidas "Captalândias" ...
Eu também entendi desde cedo (nasci em 1980) que vivíamos
num país contraditório que não mais nos conectava com causas coletivas e nem
nos permitia escolher caminhos diversos... ou se era pobre de nascença e se
andava ônibus e/ou a pé, ou se andava de carro - de preferência de vidros
fechados, caso fosse em alguma capital perigosa! Cresci com um espírito
insatisfeito e questionador, porque sentia (e sinto!) que vivemos num país
contraditório que não nos permite ir e vir com tranquilidade, não nos autoriza
a "falar com estranhos na rua", não é possível escolher caminhos
diversos...
Eu sempre quis o caminho do meio, sem dicotomias, "sem
partidos"...
Até hoje eu não havia encontrado um eco tão grande de
insatisfação coletiva com o qual pudesse me identificar e estou emocionada com
essa "corrente contaminadora de lucidez" - vulgo #acordaBrasil - que
está unindo a todos nós num "consciente coletivo" para protestar,
chamar atenção e exigir transformações políticas e humanas no existir em sua
amplitude!
O fato de eu não precisar do bolsa família, não sentir
literalmente (porque vem de outras vias!) no meu bolso os 0,20 centavos a mais
da tarifa do ônibus, não ter um emprego opressor e/ou ser homossexual assumida,
por exemplo, não anula o meu espírito insatisfeito, questionador e a minha
capacidade de real indignação
com os rumos das condições de vida (na sua amplitude) no
nosso país!
É claro que tenho os meus pequenos luxos como andar de carro
(a duras penas, é claro, já que é preciso gastar bem mais do que se ganha com
os preços altíssimos mesmo de um modelo popular, seguro, IPVA e reparos devido
as "vias de bosta que a gente se afunda"!)... também já viajei mais de 1 vez para fora do
país, vez ou outra como em restaurante bom, gosto de comida e roupa boa, curto
cinema, shows, algumas festas bacanas... Mas a que custo a gente consegue ter
acesso a isso tudo hoje no nosso país mesmo sendo de classe média e, por
exemplo, trabalhando com cultura como eu e meu marido?!
Eu sempre tive que ser trabalhadora e batalhadora desde cedo
para poder ir e vir e ter o estilo de vida que eu gostaria e não o que me era
imposto e alienado -"o que custa e tem me custado literalmente caro"
de todas as perspectivas: familiares, emocionais, pessoais, financeiras,
"metafísicas"... Imagina quem
nem tem uma formação educacional, saúde e transporte de qualidade devidamente
garantidos para - sequer! - desenvolver um pensamento crítico e saber em que
bandeira política "não votar" ?!!!
Eu sempre quis viver em uma cidade brasileira na qual eu só
precisasse andar de carro por opção e não por imposição da má qualidade dos
serviços de transporte e segurança pública oferecida... Gostaria de me
locomover de metrô, mas só morei em capitais do nordeste (João Pessoa, Salvador
e Recife) onde essa possibilidade é sempre remota seja porque não existe ou
porque as linhas não contemplam os bairros que "não são tão pobres",
como no Recife! Em Salvador, por exemplo, eu morei por mais de 20 anos e desde
que me entendi por gente escutava falar de uma obra do metrô que mal foi
começada teve desvio de verba e estacionou até hoje! Em João Pessoa, onde hoje
estou - e sempre estive, mesmo que morando em outro lugar - há 10 anos atrás,
se quiséssemos, dava para voltar para casa andando da Feirinha de Tambaú
(reduto alternativo de gente da cultura), mas a violência está se desenvolvendo
bem mais rápido do que a própria cidade, as políticas de cultura e o alcance
das linhas de transporte público... dia desses uma amiga foi atender celular na
esquina de casa e foi surrupiada por um bandido de revólver e de moto, claro,
porque pelas bandas de onde ela mora ou "o caba" aproveita o
incentivo do governo baixando impostos que incentiva a compra "dos
motorizados" ou não tem "Armaria Mainha" que faça ele chegar de
ônibus a tempo e com a eficiência de sempre pra roubar (ela me contou que já
rolou isso várias vezes na mesma esquina)!
Enfim, eu poderia continuar relatando tantos outros causos e
escrevendo mais sobre os meus sentimentos aqui, mas uma hora as palavras
precisam de um ponto ou, no mínimo, reticências, assim como vai acontecer com
essa onda de protestos... O que precisamos estar "atentos e fortes" é
para que essa união coletiva não se dissipe e que toda essa efervescência não
se sufoque dentro de uma panela de pressão - que, alegoricamente, sempre tem um
pico de cozimento, mas naturalmente vai perdendo vapor para poder se beber o
caldo... Que possamos por a mesa com "as pessoas da sala de jantar"
responsáveis pelo "buffet azedado" que está o nosso Brasil.
frame do filme "O Discreto Charme da Burguesia, de Luis Buñuel |